sábado, 20 de dezembro de 2008

Dancem Macacos, Dancem

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Introdução à vida não fascista - Michel Foucault

Preface in: Gilles Deleuze e Félix Guattari. Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia, New York, Viking Press, 1977, pp. XI-XIV. Traduzido por wanderson flor do nascimento.

Durante os anos 1945-1965 (falo da Europa), existia uma certa forma correta de pensar, um certo estilo de discurso político, uma certa ética do intelectual. Era preciso ser unha e carne com Marx, não deixar seus sonhos vagabundearem muito longe de Freud e tratar os sistemas de signos - e significantes - com o maior respeito. Tais eram as três condições que tornavam aceitável essa singular ocupação que era a de escrever e de enunciar uma parte da verdade sobre si mesmo e sobre sua época.

Depois, vieram cinco anos breves, apaixonados, cinco anos de júbilo e de enigma. Às portas de nosso mundo, o Vietnã, o primeiro golpe em direção aos poderes constituídos. Mas aqui, no interior de nossos muros, o que exatamente se passa? Um amálgama de política revolucionária e anti-repressiva? Uma guerra levada por dois frontes - a exploração social e a repressão psíquica? Uma escalada da libido modulada pelo conflito de classes? É possível. De todo modo, é por esta interpretação familiar e dualista que se pretendeu explicar os acontecimentos destes anos. O sonho que, entre a Primeira Guerra Mundial e o acontecimento do fascismo, teve sob seus encantos as frações mais utopistas da Europa - a Alemanha de Wilhem Reich e a França dos surrealistas - retornou para abraçar a realidade mesma: Marx e Freud esclarecidos pela mesma incandescência.

Mas é isso mesmo o que se passou? Era uma retomada do projeto utópico dos anos trinta, desta vez, na escala da prática social? Ou, pelo contrário, houve um movimento para lutas políticas que não se conformavam mais ao modelo prescrito pela tradição marxista? Para uma experiência e uma tecnologia do desejo que não eram mais freudianas? Brandiram-se os velhos estandartes, mas o combate se deslocou e ganhou novas zonas.

O Anti-Édipo mostra, pra começar, a extensão do terreno ocupado. Porém, ele faz muito mais. Ele não se dissipa no denegrimento dos velhos ídolos, mesmo se divertindo muito com Freud. E, sobretudo, nos incita a ir mais longe.

Seria um erro ler o Anti-Édipo como a nova referência teórica (vocês sabem, essa famosa teoria que se nos costuma anunciar: essa que vai englobar tudo, essa que é absolutamente totalizante e tranquilizadora, essa, nos afirmam, “que tanto precisamos” nesta época de dispersão e de especialização, onde a “esperança” desapareceu). Não é preciso buscar uma “filosofia” nesta extraordinária profusão de novas noções e de conceitos-surpresa. O Anti-Édipo não é um Hegel pomposo. Penso que a melhor maneira de ler o Anti-Édipo é abordá-lo como uma “arte”, no sentido em que se fala de “arte erótica”, por exemplo. Apoiando-se sobre noções aparentemente abstratas de multiplicidades, de fluxo, de dispositivos e de acoplamentos, a análise da relação do desejo com a realidade e com a “máquina” capitalista contribui para responder a questões concretas. Questões que surgem menos do porque das coisas do que de seu como. Como introduzir o desejo no pensamento, no discurso, na ação? Como o desejo pode e deve desdobrar suas forças na esfera do político e se intensificar no processo de reversão da ordem estabelecida? Ars erotica, ars theoretica, ars politica.

Daí os três adversários aos quais o Anti-Édipo se encontra confrontado. Três adversários que não têm a mesma força, que representam graus diversos de ameaça, e que o livro combate por meios diferentes.

1) Os ascetas políticos, os militantes sombrios, os terroristas da teoria, esses que gostariam de preservar a ordem pura da política e do discurso político. Os burocratas da revolução e os funcionários da verdade.

2) Os lastimáveis técnicos do desejo - os psicanalistas e os semiólogos que registram cada signo e cada sintoma, e que gostariam de reduzir a organização múltipla do desejo à lei binária da estrutura e da falta.

3) Enfim, o inimigo maior, o adversário estratégico (embora a oposição do Anti-Édipo a seus outros inimigos constituam mais um engajamento político): o fascismo. E não somente o fascismo histórico de Hitler e de Mussolini - que tão bem souberam mobilizar e utilizar o desejo das massas -, mas o fascismo que está em nós todos, que martela nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar esta coisa que nos domina e nos explora.

Eu diria que o Anti-Édipo (que seus autores me perdoem) é um livro de ética, o primeiro livro de ética que se escreveu na França depois de muito tempo (é talvez a razão pela qual seu sucesso não é limitado a um “leitorado” [“lectorat”] particular: ser anti-Édipo tornou-se um estilo de vida, um modo de pensar e de vida). Como fazer para não se tornar fascista mesmo quando (sobretudo quando) se acredita ser um militante revolucionário? Como liberar nosso discurso e nossos atos, nossos corações e nossos prazeres do fascismo? Como expulsar o fascismo que está incrustado em nosso comportamento? Os moralistas cristãos buscavam os traços da carne que estariam alojados nas redobras da alma. Deleuze e Guattari, por sua parte, espreitam os traços mais ínfimos do fascismo nos corpos.

Prestando uma modesta homenagem a São Francisco de Sales, se poderia dizer que o Anti-Édipo é uma Introdução à vida não fascista.[1]

Essa arte de viver contrária a todas as formas de fascismo, que sejam elas já instaladas ou próximas de ser, é acompanhada de um certo número de princípios essenciais, que eu resumiria da seguinte maneira se eu devesse fazer desse grande livro um manual ou um guia da vida cotidiana:

- Libere a ação política de toda forma de paranóia unitária e totalizante;

- Faça crescer a ação, o pensamento e os desejos por proliferação, justaposição e disjunção, mais do que por subdivisão e hierarquização piramidal;

- Libere-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, a castração, a falta, a lacuna), que o pensamento ocidental, por um longo tempo, sacralizou como forma do poder e modo de acesso à realidade. Prefira o que é positivo e múltiplo; a diferença à uniformidade; o fluxo às unidades; os agenciamentos móveis aos sistemas. Considere que o que é produtivo, não é sedentário, mas nômade;

- Não imagine que seja preciso ser triste para ser militante, mesmo que a coisa que se combata seja abominável. É a ligação do desejo com a realidade (e não sua fuga, nas formas da representação) que possui uma força revolucionária;

- Não utilize o pensamento para dar a uma prática política um valor de verdade; nem a ação política, para desacreditar um pensamento, como se ele fosse apenas pura especulação. Utilize a prática política como um intensificador do pensamento, e a análise como um multiplicador das formas e dos domínios de intervenção da ação política;

- Não exija da ação política que ela restabeleça os “direitos” do indivíduo, tal como a filosofia os definiu. O indivíduo é o produto do poder. O que é preciso é “desindividualizar” pela multiplicação, o deslocamento e os diversos agenciamentos. O grupo não deve ser o laço orgânico que une os indivíduos hierarquizados, mas um constante gerador de “desindividualização”;

- Não caia de amores pelo poder.

Poder-se-ia dizer que Deleuze e Guattari amam tão pouco o poder que eles buscaram neutralizar os efeitos de poder ligados a seu próprio discurso. Por isso os jogos e as armadilhas que se encontram espalhados em todo o livro, que fazem de sua tradução uma verdadeira façanha. Mas não são as armadilhas familiares da retórica, essas que buscam seduzir o leitor, sem que ele esteja consciente da manipulação, e que finda por assumir a causa dos autores contra sua vontade. As armadilhas do Anti-Édipo são as do humor: tanto os convites a se deixar expulsar, a despedir-se do texto batendo a porta. O livro faz pensar que é apenas o humor e o jogo aí onde, contudo, alguma coisa de essencial se passa, alguma coisa que é da maior seriedade: a perseguição a todas as formas de fascismo, desde aquelas, colossais, que nos rodeiam e nos esmagam até aquelas formas pequenas que fazem a amena tirania de nossas vidas cotidianas.


[1] Francisco de Sales. Introduction à la vie devote (1064). Lyon: Pierre Rigaud, 1609.

Carta aberta aos governos do mundo

Por Emanuel de Nazaré 20/12/2008 às 02:24


NÃO ESQUECEMOS!

Hoje, dia 20 de dezembro, é um dia de luto para o mundo. Pessoas por todo o globo estão reunidas para relembrar e protestar contra todos que morreram nas mãos dos governos. Por isso, estamos aqui hoje para manifestar nosso profundo pesar e desaprovação frente as atitudes deles, e para confirmar o diagnóstico da doença de que todos os governos sofrem: o autoritarismo. Doença essa, que ataca todas as populações do mundo.

É também nosso objetivo, tornar pública a insatisfação dos que vivem sobre a corrupta tutela do Estado brasileiro, trazendo à tona as atrocidades e as atividades terroristas que ele comete contra sua própria população.

Essa carta é um alerta aos governos globais, para que entendam que a luta contra o capitalismo se faz presente na vida de bilhões de pessoas no mundo e uma saudação, aos corajosos guerreiros e guerreiras, que ousam lutar contra os cotidianos ataques à manutenção de suas vidas. Afirmamos que não passa pelas nossas cabeças permitir que toda essa violência seja feita sem resistência e solidariedade internacional. Estamos convictos de que os povos do mundo estão mais do que insatisfeitos com todo esse derramamento de sangue e disposto a tomar as rédias de suas vidas, afim de parar com tamanha violência.

Gostaríamos de deixar explícito que temos plena consciência dos motivos políticos de tamanha repressão por parte dos estados e da nítida manipulação por parte da mídia corporativa: que é manter a passividade dos que sofrem com as chamadas "reformas liberais", que não passam de uma subtração dos direitos conquistados através da luta de inúmeras gerações, que buscaram uma forma mais digna de se viver. Reformas essas, movidas pela utopia capitalista que busca um mundo onde o mercado e o lucro são os motores da humanidade. Reformas que colocam em cheque o bem-estar social, econômico, político, físico, psicológico e espiritual de todos os seres vivos do planeta, seja ele homem, animal ou vegetal. É em nome dessa utopia que Estados do mundo todo julgam-se no direito de sistematicamente eliminar vidas humanas, agindo de forma inconseqüente em relação as questões ecológicas, disseminando a ilusão da impossível sustentabilidade ecológica dentro do capitalismo.

Prova dessa postura, é o assassinato de Alexandros, morto brutalmente pela polícia grega. E também tem a cooperação de grupos nazi-fascistas, que alinhados as forças da repressão, agem de maneira covarde contra os movimentos sociais organizados pacificamente. Exigimos esclarecimentos do governo grego no que diz respeito aos relatos de tortura e maus tratos a imigrantes presos, por estarem no país na dita condição de "ilegal". Reivindicamos também, que as exigências dos imigrantes presos, que estão em greve de fome, sejam atendidas imediatamente. Bem como, a libertação imediata de todos os presos políticos do país. Manter essas pessoas atrás das grades, presas por lutar por uma vida mais digna, é um crime contra a humanidade. Atos radicais por parte da população grega não passam de uma resposta à altura do autoritarismo do governo grego.

No Brasil também somos vítimas do autoritarismo sem limites. A população brasileira sofre com violência cotidiana por parte da polícia. Jovens são mortos, apenas por serem suspeitos. Crianças são mortas e seus assassinos são absolvidos pela dita "justiça" e continuam a andar pelas ruas com as mãos sujas de sangue. Sofremos com uma polícia que se consolidou durante a ditadura militar e que, até hoje, opera da mesma forma. Atira primeiro para perguntar depois. Não esquecemos de nada. Queremos a punição dos torturadores e assassinos do período militar bem como a punição dos atuais. Não através da justiça do estado, feita pelos ricos e poderosos do país, mas através da justiça popular.

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